tentáculos

Como se deu a interiorização das facções da Região Metropolitana em Santa Maria

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Avener Prado (FolhasPress)

Se a busca territorial, entre os anos 1990 e parte dos 2000, ficava restrita aos confrontos de facções entre rivais em Porto Alegre e Região Metropolitana, o leque de possibilidade foi ampliado. E o passo seguinte foi a interiorização do crime organizado com todos os seus tentáculos - compra de armas, encomenda de execução de rivais - e, principalmente, a permanente demonstração de força e, por consequência, de poder. O delegado Sandro Meinerz explica como se deu a interiorização das facções metropolitanas em solo santa-mariense.

Como Santa Maria se prepara para frear a escalada da violência na cidade

- São, basicamente, duas formas de atuação por parte dessas facções. A primeira delas observa a cooptação, seja por meio de aliança, ou com a sinalização de troca de favores. Ou seja, se um traficante tem, por exemplo, alguém que deva dinheiro para ele, os criminosos da facção vão cobrá-lo. Se, por acaso, esse mesmo traficante tem um desafeto, essa facção irá eliminá-lo. Já a segunda forma de atuar, e mais agressiva, é a da intimidação. Nessa, aí, é o caso de uso de métodos com o emprego da violência extrema.

ENFRENTAMENTO 
A Polícia Civil já observava e monitorava as ramificações das duas facções que viram em Santa Maria a possibilidade de franquear e, principalmente, alavancar os negócios. Meinerz, entre 2013 e 2015, que estava à frente da Delegacia Especializada em Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec), realizou várias ações para impedir a instalação dos Bala na cidade. 

Ainda que os primeiros representantes já estivessem por aqui desde 2013. Por dois anos, a Civil realizou várias ações - com prisão de pessoas, interceptação (de veículos clonados, de armas e de drogas) - na tentativa de impedir a instalação dos Bala na cidade. Já a prisão dos primeiros Mano, lembra o delegado, ocorreu também em 2013. Mas eles demoraram um pouco mais para chegar em Santa Maria. Os Mano aceleraram o processo de fixação deles ao perceberem que os Bala estavam se mostrando mais ágeis nessa expansão.

Meinerz diz que o saldo da chegada das duas facções - em 2013 (com a vinda dos Mano) e, depois, em 2014 (os Bala) - é de um recrudescimento por parte desses grupos que não medem esforços - e, claro, emprego de violência - para impactar o oponente. Nessa batalha, a única perda contabilizada, pelos dois lados, é de arsenal de armas e de munições. Até porque o crime organizado consegue de forma muito rápida repor eventuais baixas de seus soldados, explica.

Porém, o delegado enfatiza que não há uma batalha deflagrada entre os Mano e os Bala na cidade. O que há, ressalva, é uma atuação dos Bala - que são mais presentes na cidade - em apoio àqueles que são protegidos pelo grupo. Outra característica dos Mano é que eles cometem homicídios por encomenda.

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MESMO LADO
Meinerz esclarece que as duas facções abastecem o tráfico local com cocaína, maconha e crack. Sendo que nessa queda de braço, os Mano ficam com a maior porção da fatia desse mercado milionário que desova o dinheiro - proveniente das ilicitudes e dos crimes cometidos (como tráfico, homicídio, porte ilegal de armas) - em imóveis, veículos e em outras formas que são empregadas pelos traficantes.

ENTREPOSTO
E como não poderia deixar de ser diferente, a posição geográfica é considerada pelos criminosos, que fazem do município um entreposto da droga. Sendo que para o tráfico internacional, que tem como destino o Uruguai, Santa Maria é um ponto de passagem. Meinerz explica que a droga que vem para ser distribuída aqui tem como origem o Paraguai ou a Argentina. As drogas que chegam abastecem, além da cidade, todo o Centro do Estado.

Já o caminho do pesado armamento segue uma lógica inversa. Assim, as armas que "descem" até aqui têm como origem os países vizinhos (como Uruguai, Paraguai e Argentina) e, depois, têm como destinação a Capital e Região Metropolitana. Meinerz acrescenta que muitas dessas armas chegam a ser compradas legalmente, mas outras são do mercado negro. 

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Campo de futebol, na zona norte da cidade, foi o palco de triplo homicídio no último dia 15
Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

DUAS FACÇÕES E UMA GÊNESE
De acordo com a própria polícia, o surgimento da facção Bala na Cara é datado de 2007 e é considerada hoje a mais atuante e poderosa do Estado. Com atuação no Bairro Bom Jesus, zona leste da Capital, o grupo, em pouco tempo, justificou o porquê do próprio nome. 

Uma prática sádica e, até então, sem precedentes levou a marca deles a ser conhecida rapidamente no mundo do crime: a execução das vítimas com tiro no rosto, o chamado tiro de esculacho (por deixá-las desfigurada). A ideia, além de impactar, era fazer com que seus oponentes tivessem um velório com o caixão fechado, como uma espécie de último recado aos inimigos, resume Meinerz.

Na gênese dessa história, houve, inclusive, a época em que os Bala eram uma ramificação daquela que seria, futuramente, sua maior rival: a facção chamada Os Mano, surgida em 1996. Essa nasceu dentro do Presídio Central, em Porto Alegre, e também saiu da costela de um outro grupo criminoso, a Falange Gaúcha. Mas foi em 2011 que os Bala passaram a ter maior notoriedade, quando a facção deixou pra trás Os Manos.

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ATUAÇÃO 
O método de atuação dos Bala é bem estruturado e observa, basicamente, a cooptação de quem, porventura, seja o dono sozinho de uma boca de fumo. É uma espécie de franquia da marca dos Bala, diz Meinerz. Mas nem tudo se dá por meio de negociação com o grupo. Aliás, a outra forma de atuação da facção _ e que lhe rendeu fama _ é a veia do emprego da extrema violência ao intimidar, ameaçar e, não raro, na execução de adversários.

Os Bala se diferenciam das demais facções por uma característica que é apenas dela: o surgimento nas ruas. O que contraria o que se tinha até então no mundo do narcotráfico em que as facções nasciam e mantinham o núcleo de irradiação de decisões de dentro do sistema penitenciário.

Meinerz explica que os primeiros Bala desembarcaram, ainda que aos poucos, na cidade, em 2013, no chamado Beco da Tela (Vila Schirmer) e, depois, passaram a desbravar outras regiões. Já no ano seguinte, foi a vez dos Mano fixarem raízes no maior município do centro do Estado.  

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Renan Mattos (Diário)

INTEGRAÇÃO E INTELIGÊNCIA NO COMBATE À CRIMINALIDADE
As forças de segurança da cidade trabalham com um entendimento muito bem delineado quanto à ação dos criminosos: a necessidade, cada vez maior, de trabalhar de forma integrada e com o apoio de uma rede de inteligência para estar no encalço dos bandidos e, se possível, um passo à frente de suas possíveis ações. É dessa maneira que Polícia Civil (capitaneado investigações) e Brigada Militar (com policiamento ostensivo e preventivo) operam para enquadrar a bandidagem. 

Meinerz e o coronel Erivelton Hernandes Rodrigues explicam que o planejamento estratégico é vital e imprescindível. Assim, por exemplo, são realizadas operações policiais (como força-tarefa), esforço concentrado, e, principalmente, o chamado trabalho de campo (que se vale, muito, de denúncias anônimas).

- Tanto a Civil quanto a Brigada, em um contexto de adversidade e dificuldade com salários atrasados e todos os problemas que isso traz, seguem dando resposta à sociedade - diz Meinerz.

Agora, o próximo passo é o uso da tecnologia - com o videomonitoramento e o cercamento eletrônico - para a obtenção de avanços ainda mais significativos no enfrentamento à criminalidade. Porém, as autoridades entendem que o trabalho integrado aliado à tecnologia dará resultados no combate aos roubos. Até porque os homicídios são o tipo de crime que "invariavelmente ocorrerá, sendo questão de tempo", resume Gabriel Zanella, titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa. 

Com o triplo homicídio, Santa Maria tem, até o momento, 42 mortes violentas. Em igual período, no ano passado, eram 41 assassinatos. Sendo que a cidade registra quatro feminicídios enquanto que, em todo o 2018, foram dois. O delegado Gabriel Zanella é categórico ao dizer que "a maioria das vítimas e dos autores dos homicídios tem antecedentes policiais e passagens pelo sistema prisional".

Zanella enfatiza que o índice de elucidação dos homicídios é superior a 90%. Além disso, ele cita que o elevado número de prisões (quase todas preventivas) "é resultado do atendimento imediato a todos os homicídios consumados por meio de uma equipe, que está em sobreaviso 24 horas, bem como do uso da inteligência policial". Até agora, a delegacia prendeu 45 adultos e apreendeu oito adolescentes infratores.

Ele acrescenta que a motivação dos homicídios em, ao menos, 80% dos casos "está relacionada ao tráfico ilícito de drogas e desavenças, rixas, decorrentes do mundo do crime". O que é endossado pelo coronel Hernandes, que afirma que a BM trabalha com policiamento ostensivo e preventivo para impedir o que ele afirma ser a sua maior preocupação: o latrocínio (roubo com morte), que são dois, até agora, na cidade (mesmo número de 2018). 

- O latrocínio nos preocupa muito. Até porque é aquele roubo que não deu certo e acaba vitimando o cidadão de bem. 

Zanella diz que "a repressão qualificada e eficiente aos homicídios deve estar diretamente associada ao combate às facções criminosas, especialmente às atuantes no tráfico ilícito de drogas e de armas de fogo":

- Trabalhar com inteligência policial contra a lavagem de dinheiro, com a descapitalização das facções e de seus líderes, é fundamental.

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